Pausa na Viagem: [RESENHA] "QUISSAMA - O Império dos Capoeiras" (Maicon Tenfen)
Image Map

[RESENHA] "QUISSAMA - O Império dos Capoeiras" (Maicon Tenfen)



"Apanhei o chapéu e o encaixei na minha cabeça molhada. Sem me importar com as outras coisas, o paletó, a gravata, os pulsos e os colarinhos, que ficaram para trás, saí manquejando pelo corredor. (...) Senti um forte desânimo, tive impressão de que fora encurralado pelos azares do mundo. Dentro de pouco tempo, porém, descobriria que tudo que estava acontecendo não passava da ponta de um iceberg. Um nefasto e tenebroso iceberg". (p. 162) 

Autor: Maicon Tenfen / Ilustrador: Rubens Belli / Editora: Biruta / Ano: 2014 / Páginas: 308


"Quissama - O Império dos Capoeiras" não é um livro comum. Pelo contrário: é extraordinário por natureza. Extraída das memórias "perdidas" de Daniel Woodruff, um viajante inglês do século XIX, a obra narra as aventuras do autor em terras tupiniquins, seus dramas pessoais, os casos nos quais se envolveu como detetive e as experiências mais intensas que viveu no Rio de Janeiro em 1868.

Após sofrer um duplo trauma em Liverpool - perdendo a esposa e o filho recém-nascido em um parto mal sucedido -, Woodruff decide lançar-se ao mar como marinheiro. Durante os anos nos quais percorre o mundo, o ex-agente da Scotland Yard tem a oportunidade de entrar em contato direto com as artes marciais e jogos de luta pelos quais é apaixonado. E é esse mesmo interesse que o leva a aportar no Rio de Janeiro, onde conhece a famigerada capoeira.

Quando inicia o episódio brasileiro de suas memórias, Daniel Woodruff já havia conseguido certo reconhecimento dos fluminenses por ter desvendado o Caso do Teatro, revelando o paradeiro de uma artista francesa que desaparecera misteriosamente. Apesar da fama repentina, Woodruff segue a rotina desprovida de luxos na pensão da viúva Jandira, onde encontra no português Miguel um grande amigo.

É aí que surge um novo personagem na história: Vitorino Quissama, o jovem escravo fugitivo. O negro entra na vida de Woodruff envolto em uma aura de mistério. Ele procura o investigador a fim de descobrir o paradeiro da mãe, uma escrava supostamente vendida por seu senhor - o temido criminoso Müller. Como recompensa, Quissama oferece um valioso colar, cuja origem incerta torna o caso ainda mais nebuloso aos olhos de Daniel.

É a partir da joia que o desconfiado inglês se vê envolvido em situações perigosas, sentindo o peso da corrupção e dos conflitos de interesse que marcam a sociedade carioca no período escravocrata. Ao lado do menino Quissama, passando por figuras históricas como o escritor José de Alencar, Woodruff vive aventuras tão incríveis e eletrizantes que só podem ser ficção - mas não são. Pelo menos, não totalmente.

Para ser sincero, não sei o quanto da obra segue fielmente o relato de Woodruff ou é resultado das adaptações promovidas por Maicon Tenfen. O fato é que o livro funciona tão bem que é impossível não se deixar levar pelas personagens cativantes, pelo ritmo acelerado e pela narrativa primorosa. É daquelas histórias que a gente chega ao fim praticamente sem fôlego, com uma pontada de tristeza por ter acabado, mas com a sensação exultante de ter vivido a experiência da leitura.

Daniel Woodruff e Vitorino Quissama são personagens tão ricos e cheios de nuances que não deixam dúvidas quanto ao fato de serem - ou terem sido - reais. À parte da trama bem urdida, digna de Sherlock Holmes, a relação entre os dois é o grande destaque do livro. Impossível não ter empatia pela dor do menino Quissama, cuja existência desgraçada não o impede de ser um jovem cheio de vida, energia e vontade - vontade de mudar, vontade de viver. Quanto a Woodruff, o sentimento terno e paternal que desenvolve pelo escravo é palpável, tão intenso e verdadeiro que o faz desafiar a razão e o bom senso apenas para vê-lo protegido.

"Quissama - O Império dos Capoeiras" é um livro completo: não atinge somente aos pré-adolescentes (público-alvo da Editora Biruta), mas é um prato cheio para leitores de todas as idades. Tem aventura, tem ação, tem drama, tem verdade, tem coração - e até reserva espaço para o humor. É uma deliciosa viagem no tempo, temperada com as lindas ilustrações de Rubens Belli, que casam perfeitamente com o texto e agregam um charme especial ao projeto gráfico. 

Cinco estrelas, favoritado e recomendadíssimo. Leia e não se arrependerá!











Nenhum comentário:

Postar um comentário

Formulário de contato

Nome

E-mail *

Mensagem *