Pausa na Viagem: Em defesa da família (custe o que custar)
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Em defesa da família (custe o que custar)


(Imagem: Fox/Divulgação.)
Eu sou gay. Homossexual. Na Grécia Antiga, seria um pederasta. No Antigo Testamento, um sodomita. Na sociedade contemporânea, talvez um veado que não teria nada melhor a fazer do que tentar consolidar uma difícil carreira de escritor - e que, em vez disso, resolve sentar para escrever uma crônica malcriada.

E por que começar este post com uma auto-afirmação sexual tão redundante? Talvez seja porque, apesar de rigorosamente não nos definir como indivíduos ou ditar vários dos aspectos de nossa personalidade, o tema sexualidade (em especial, a homo) ainda rende. E choca. E inflama discussões. E também porque, do ponto de vista social, ser ou não parte da classe LGBT (se você ainda não está por dentro da sigla, clique aqui) faz, sim, alguma diferença.

A menos que você tenha passado os últimos anos em estado de criogenia, não é segredo que o Brasil atravessa um momento de intensa fomentação de movimentos sociais e suas respectivas bandeiras. Um dos mais exponenciais é, sem dúvida, o movimento LGBT, que, dentre outras reivindicações, luta pela efetivação dos direitos civis e criminalização da homofobia. É aí que uma personagem entra nesta história, fazendo as vezes de antagonista.

Eu poderia anunciá-la sob vários dos nomes pelos quais ela se manifesta na sociedade, mas vou optar pelo termo que caiu na boca do povo: a Bancada Evangélica. Well, well... independentemente da sua religião, você certamente já ouviu falar em nomes como Marco Feliciano, Jair Bolsonaro, Pastor Everaldo, Marisa Lobo (a "psicóloga cristã") e tantos outros que a simples tarefa de enumerá-los exigiria de mim uma boa vontade que não tenho.


("Bancada evangélica e a 'cura gay'", Latuff, 2012.)

Meu objetivo com este texto não é falar sobre religião X ou Y ou praticar o que muitos denominam erroneamente "cristofobia" (créditos ao célebre Pastor Silas Malafaia). Quero deixar bem claro que sou cristão e cresci em família mezzo católica mezzo protestante - o que, fatalmente, permitiu que eu tivesse uma visão panorâmica sobre ambas as correntes.

Mas o assunto "religião" fica para outro momento (porque eu o colocarei em pauta assim que surgir a oportunidade e a necessidade; para mim, não cola esse papo de que religião não se discute). Vamos falar um pouquinho de política, de humanidade, de ultrapassar as paredes opressoras do senso comum.

E, por que não, vamos falar de família. Pesquise no Google, pergunte aos amigos, veja um filme, dê um passeio, medite em um momento de ócio... Pense. Pense de novo. Confronte. Há tantos conceitos, tantas tentativas de se explicar algo que, no fundo, é tão universal quanto diverso.

Recentemente, nossa Câmara Federal levou ao ar uma enquete - no mínimo, curiosa -, aberta a todos que se interessassem, visando a reformulação do Estatuto da Família. O plebiscito questionava a opinião da população sobre o conceito de família nuclear - aquela formada por pai, mãe e filhos.

Você concorda com a definição de família como núcleo formado a partir da união entre homem e mulher?

Polêmica, a questão provocou-me uma incômoda sensação de dèja vú. Sim, eu já vi, li e ouvi isso antes. Foi impossível não associar o caso ao discurso da supracitada Bancada Evangélica (e cristãos, em geral) sobre uma suposta necessidade de "preservação da família". Segundo leigos, sacerdotes e políticos de orientação cristã, a instituição tradicional da família enfrenta tempos de crise. É uma espécie em extinção que inspira cuidados - os quais, na prática, geralmente se traduzem em ataques aos "predadores".

Os quase 49% defensores da família - que responderam "Sim" à enquete da Câmara - não estão apenas exercendo o direito democrático à opinião e à manutenção dos núcleos familiares, como costumam argumentar. Não estão simplesmente obstaculando os direitos LGBT que contrariam seus princípios conservadores, e tampouco triunfando em seu ideal de impedir que nós, homo/bi/tansexuais, "dominemos o mundo".

Caso constituíssem a maioria dos votos (o que não esteve longe de acontecer), os partidários do "Sim" colocariam em xeque muitos outros arranjos familiares que desafiam o modelo tradicional. Eles privariam de direitos o órfão adotado por casal homoafetivo, bem como a mãe que criou seu filho sem o apoio de um companheiro. Tornariam ainda mais vulneráveis o neto criado pelos avós e até mesmo a criança abandonada nas ruas.

Nada me revolta mais que um defensor ferrenho da moral e dos bons costumes que, na intimidade do lar, é incapaz de dar amor aos filhos e respeito à esposa. Nada é mais estúpido do que colocar os galhos de uma árvore genealógica acima dos laços afetivos que - estes, sim - devem reger uma família de verdade.

A você que teve a paciência de ler até aqui, deixo a seguinte reflexão: sim, é importante lutarmos por aquilo que acreditamos ser bom e justo, o que inclui inexoravelmente a figura da família. É bom defendermos o que achamos correto, aquilo em que acreditamos. 

Mas... a qual custo?








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